Você conhece os "Três T´s" da China? Que tal saber mais sobre este tema que o governo chinês evita falar?
- Geisel Ramos
- 14 de jun.
- 8 min de leitura
“Esqueletos no armário” é uma expressão inglesa para ilustrar determinados segredos que alguém possui, ações reprováveis e por vezes de grande sordidez, cuja virtual revelação expõe uma face mórbida de quem os oculta, dada a analogia com ossos pútridos guardados num recinto escuro.

Não são apenas pessoas que têm seus feitos inconfessáveis trancados. Os governos também possuem seu estoque de atos condenáveis longe do debate público, estabelecendo um véu de absoluto silêncio sobre eles e com frequência empreendendo censura àqueles que decidem esmiuçar, temendo o ressurgimento de antigas rusgas.
A título de exemplo, temos a Turquia, que até hoje se recusa a admitir o Genocídio Armênio no ano de 1915, quando cerca de um milhão de armênios foram sistematicamente assassinados ou levados a morrer de fome no deserto da Anatólia, nos últimos anos do Império Otomano (de cujo espólio surgiu a Turquia moderna).
A Argentina, por sua vez, permanece em embaraço quando se trata de exumar o envio de jovens despreparados militar e psicologicamente para travarem uma guerra suicida contra os britânicos pelas Ilhas Malvinas em 1982, enquanto que o Japão sequer ousa mencionar uma única linha sobre a infame e ultrassecreta Unidade 731, instalada na Manchúria (norte da China), considerada tão cruel que ganhou a alcunha de “Auschwitz Asiático”, negando-se a pedir desculpas públicas pelas barbaridades ali cometidas entre os anos 1935-1945.
Sobre a China, podemos de fato falar de um cemitério de esqueletos, já que em sua recente história tem se envolvido em distintos episódios que geram muita discussão e que exigem respostas, mas por conta do aparato de intimidação estabelecido pelo Partido Comunista Chinês, a verdade sobre eles, quando não é negada, sofre uma distorção que descamba para teorias consideradas conspiratórias, exatamente porque os assuntos não são abordados de modo mais aberto.
Separamos três tópicos deste compêndio envolto em névoa, e assim podemos falar na existência de “três T´s” que deixam a China em saia justa, remetendo à consoante que inicia cada um deles: TAIWAN, TIANANMEN e TIBETE.
Taiwan
A história de Taiwan propriamente dita tem início nos primórdios da República Popular da China, logo após comunistas e nacionalistas chineses – inimigo declarados – lutarem ombro a ombro contra a ocupação japonesa (1935-1945). Quando o último soldado nipônico retornou para casa, a guerra civil entre os dois grupos explodiu.
O líder dos nacionalistas, Chiang Kai-shek, percebendo que perderia o conflito, refugiou-se na ilha que os navegadores portugueses no passado batizaram de Formosa, e ali, no ano de 1949, proclamou a República da China (mais tarde adotando o topônimo nativo de Taiwan), sediada na cidade de Taipei, em contraposição ao regime continental, capitaneado pelo Partido Comunista, que estabeleceu a República Popular da China, com sua capital em Pequim. Esta, por seu turno, declarou Taiwan uma “província rebelde”.

Desde então as duas Chinas travam uma acirrada batalha pelo reconhecimento diplomático. De início, o regime de Taiwan era o legitimamente aceito pela comunidade internacional, exceto pelo bloco socialista, que de imediato deu respaldo ao governo de Pequim, mas com o tempo, devido ao crescimento que a República Popular foi vivenciando, em parte estimulado pela política de reaproximação com os EUA costurada por Henry Kissinger, secretário de Estado norte-americano, a maré virou.
Ao perceber não ser mais possível ignorar aquele gigante se levantando novamente no cenário geopolítico global, Henry Kissinger visitou Pequim em 1971 e se comprometeu a retirar de modo gradativo as tropas americanas de Taiwan – até então seu aliado estratégico no contexto da Guerra Fria – além de garantir que a China comunista seria aceita como membro da ONU em lugar de sua antagonista, pois à época as Nações Unidas acolhia a autodeterminação de Taiwan como a verdadeira China.
Com efeito, as relações entre EUA e China entraram em degelo e posteriormente se tornaram plenas, ao passo em que Taiwan se viu cada vez mais jogada a uma espécie de ostracismo mundial, sendo reconhecida por menos governos ano após ano, por pressão de Pequim em arvorar para si o título de China verdadeira. A outra China? Ah, é uma “província rebelde”, segundo a República Popular, reforçando seu monolítico discurso de “uma só China”.
E nesta atmosfera carregada de eletricidade, atualmente apenas 12 nações reconhecem Taiwan como país independente, tamanho o assédio de Pequim, que inclusive se utiliza de estratagemas econômicos para conquistar o apoio internacional em sua cruzada, afirmando de modo enfático que em breve irá anexar a província rebelde, e qualquer referência a uma Taiwan autônoma é recebido com insolência e rechaçada energicamente.
Tiananmen
Um episódio mais conhecido do grande público – pelo menos de quem era pré-adolescente no final dos anos 80 – foi o massacre em Tiananmen (Praça da Paz Celestial), localizada no centro de Pequim e ocorrido na virada do dia 3 para o dia 4 de junho de 1989, o qual se tornou um assunto mais do que proibido na China.
Ele foi o triste ponto final de uma série de reivindicações promovidas principalmente por estudantes universitários e que teve início no mês de abril daquele ano, logo após a morte de Hu Yaobang, ex-secretário-geral do Partido Comunista Chinês, conhecido por sua tendência reformista e que conseguiu à época catalisar os anseios populares por mudanças na política e na economia chinesa, além da obviamente desejada liberdade de expressão.
Voltando no tempo, Henry Kissinger tinha a certeza de que a reaproximação entre EUA e China pavimentaria um caminho rumo à democracia para o governo do gigante asiático, impulsionado primeiro por uma abertura econômica (que de fato aconteceu, liderada por Deng Xiaoping) para depois resultar numa espécie de glasnost chinesa, nos moldes que se passou com a URSS de Mikhail Gorbachev a partir de meados da década de 80.
Ledo engano.
O partido comunista chinês começou a ver com bastante preocupação o crescimento das manifestações, que em seu auge chegaram a aglomerar cerca de um milhão de pessoas em Tiananmen, epicentro do movimento que exalava esperança, traduzida nos rostos de jovens idealistas que se organizavam em debates políticos e discursos emocionados.
Estes mesmos estudantes se revezavam na condução dos comícios, que embora pacíficos eram cada vez mais ácidos contra o regime, acompanhado por vários dos presentes se voluntariando em greve de fome, o que não dobrou o coração do mesmo Deng Xiaoping que no passado abriu as portas da China para o que mais na frente seria categorizado como “socialismo de mercado”.
Respondendo aos protestos com a instauração da lei marcial, em 20 de maio, o governo comunista viu que suas medidas não surtiram efeito, e despachou tanques para os arredores de Tiananmen, que àquela altura atraía a atenção do mundo inteiro, o qual assistia atônito aos estudantes erguerem uma estátua em gesso, inspirada na Estátua da Liberdade de Nova York e batizada de “Deusa da Democracia”.

Então, na madrugada do dia 4 de junho de 1989, aconteceu o pior. Os tanques receberam ordens de adentrarem na praça e dispersarem a multidão a todo custo. Enquanto parte da turba corria dos tanques, muitos dos presentes partiram de peito aberto de encontro a eles. Ao mesmo tempo, soldados armados com fuzis disparavam contra qualquer pessoa que estivesse no caminho impedindo a movimentação das tropas.
A “Deusa da Democracia” foi ao chão, espatifando-se no mesmo piso em que centenas de manifestantes jaziam mortos. Nas ruas que davam acesso a Tiananmen, o cenário era igualmente aterrador, com pessoas esmagadas por tanques e barricadas aos pedaços. Os hospitais ficaram coalhados de corpos e de muitos feridos, virtualmente entrando em colapso pela sobrecarga inesperada de baixas civis.
Assim que o Sol raiou, o exército havia tomado o controle da região central de Pequim. As ruas desertas contrastavam com as cenas de apenas um dia atrás, e agora só se via fumaça e despojos da batalha campal.
E eis que do nada, surgiu um jovem que se posicionou em frente a uma fileira de tanques em movimento, impedindo sua passagem cada vez que ela tentava desviar. Num determinado momento, a fileira parou perante aquele homem, cuja identidade e paradeiro até hoje permanecem desconhecidos, e neste momento exato o click magistral do fotógrafo que a tudo assistia congelou no tempo uma das cenas mais icônicas do século XX, reproduzida em todos os livros de História dali em diante.

Não há estimativas confiáveis quanto ao número de vítimas do massacre na Praça da Paz Celestial, pois enquanto que os números oficiais do governo chinês cravam em cerca de 200 civis e algumas dezenas de soldados mortos, relatos de testemunhas e repórteres que estavam no local elevam esta cifra a um patamar bem maior, chegando aos milhares de sacrificados.
A opinião pública mundial condenou a chacina em Tiananmen, gerando sanções contra o governo de Pequim, porém até hoje o episódio é omitido dentro da China, tanto na sua história oficial quanto na mídia, mantido debaixo de uma rígida censura.
Tibete
Nos confins da Ásia Central se localiza uma região agreste, esparramada sobre a Cordilheira do Himalaia, na qual se localizam algumas das montanhas mais altas do planeta, como o Monte Everest, o maior pico do mundo.
Durante toda a sua história, o Tibete foi objeto de cobiça do Império Chinês, cujas sucessivas dinastias reivindicavam sua extensão como parte de seu território, porém os tibetanos experimentaram diversos momentos de autonomia ou mesmo independência.
Entretanto, com a ascensão do Partido Comunista Chinês em 1949, as relações entre os dois governos entraram numa fase de tensão, e sem demora, sob a justificativa de consolidar suas fronteira e libertar os tibetanos do “imperialismo estrangeiro”, Pequim ocupou militarmente a região de Chamdo, obrigando o 14º Dalai Lama, o líder político e espiritual do Tibete, a negociar, tentando evitar uma invasão total.
Em 1951, uma delegação de representantes tibetanos foram a China, resultando no chamado “Acordo dos Dezessete Pontos”, entre os quais a China seria reconhecida como a legítima soberana sobre o Tibete, porém respeitando seu sistema político, sua religião e seus costumes. A partir dali, a representação diplomática da região também ficaria a cargo do governo comunista.
Gradativamente foram aumentando as escaramuças entre os dois povos, pois os chineses iniciaram o processo de coletivização das terras e o fechamento dos mosteiros, o que culminou num levante em 1959 detonado por guerrilhas tibetanas de resistência, sendo brutalmente reprimido e resultando na fuga do Dalai Lama para a Índia (onde vive até hoje, tendo ali estabelecido um governo no exílio).
Desde então o Tibete, em que pese ter se modernizado em termos de infraestrutura, tem mergulhado num período de intensa repressão, caracterizada pela destruição da sua cultura e religiosidade, além da diluição de sua população autóctone ante a imigração estimulada de chineses da etnia han, predominante em todo o resto do país, muito embora a China justifique a tomada da “Região Autônoma do Tibete” como um “movimento de libertação de um regime feudal e teocrático”.

Parte desta história foi retratada no filme Sete Anos no Tibete, estrelado por Brad Pitt, que interpreta a história real do alpinista austríaco Heinrich Harrer, que se encontrava no Tibete no período da invasão pela China, sendo esta obra cinematográfica uma das poucas manifestações artísticas mais conhecidas de um tema que se tornou um tabu na República Popular, ou como preferir, mais um esqueleto no armário chinês...
Rede VOX NEWS
Fonte, Matéria e Produção: Geisel Ramos
Publicação: Geisel Ramos
Parabéns pela reportagem. Importante conhecermos o que se passou nessa ditadura, cuja verdade dos fatos é escondida pelo governo comunista da China, até os dias atuais.