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Groenlândia: a disputa só mudou de tabuleiro

Atualizado: 31 de mai.

Groenlândia! Para os saudosistas dos anos 80, esta palavra evoca aquelas tardes longas que passávamos ao redor do tabuleiro do jogo WAR, uma febre na época, lutando para conquistar países e continentes inteiros na simulação de uma batalha planetária.


Ali no meio daquele mapa-múndi colorido, coberto por dados, tanques e soldados, havia uma grande mancha na parte superior, entre a Europa e a América do Norte, e todos se engalfinhavam para adquiri-la, pois de posse dela estaria assegurado o trânsito pelo Hemisfério Norte.

Bandeira da Groenlândia
Bandeira da Groenlândia

Sim, era a Groenlândia, a maior ilha do mundo, com mais de 2 (dois) milhões de quilômetros quadrados de um colossal lençol de gelo salpicado por picos abruptos, na qual vivem apenas cerca de 55 mil habitantes, divididos praticamente entre a população autóctone inuit (o popular esquimó, como preferir dizer) e os dinamarqueses.


Dinamarqueses? Como assim? Além do fato de a Groenlândia ser desconhecida de quase todos os brasileiros, a sua condição de ser parte da Dinamarca (uma nação escandinava) é menos sabida ainda. Isso porque apesar de seu povo local possuir um senso de autonomia manifesta já há muito tempo, estamos falando de uma ilha com um território maior do que o Nordeste brasileiro, porém sua população não chegaria a encher o Estádio do Maracanã literalmente, de modo que, com tão pouca gente para aquela vastidão incomum de terra (ou seria melhor gelo?), resta demonstrado cabalmente que a Groenlândia jamais poderá ser uma nação independente, devendo assim continuar a ser tutelada por algum governo.


Seu nome vem do dinamarquês grønland, que significa “terra verde”, e cuja autoria é atribuída a Erik, o Vermelho, um explorador viking que foi banido por homicídio da Noruega por volta do século X, e em busca de outro lugar para viver se deparou com um recanto distante, retornando posteriormente para levar mais gente para essa tal “terra verde”.


Algumas teorias para este nome de batismo:


  1. Por um golpe de sorte do Erik, que teria atracado no vale de Qinngua, onde se situa o único exemplar da versão groenlandesa de floresta: umas poucas dezenas de árvores de médio porte, aglomeradas sobre a tundra e protegidas pelas montanhas dos inclementes ventos boreais (detém o título de “A floresta natural mais ao Norte do mundo”);

  2. O planeta Terra se autorregula, alternando suas eras climáticas, e talvez o Vermelho passou por ali quando a Groenlândia era um ambiente mais propício à ocupação humana, com menos áreas debaixo de geleiras (esta tese é a criptonita dos mais ácidos defensores da agenda ambientalista);

  3. Tudo não passou de uma história inventada por Erik para convencer os mais incautos a embarcarem com ele para um novo destino, levando junto suas posses (um estelionato à moda viking?).


Resumindo: seja como for, a cor verde atrelada ao topônimo agora não se resume apenas a conjecturas se havia ou não algum galho com folhas balançando ao sabor da brisa glacial, mas de muitas notas de dólares, muitas mesmo!


Vamos explicar...


Após séculos de um anonimato quase absoluto, a Groenlândia visitou recentemente os noticiários internacionais quando o atual Presidente dos E.U.A, Donald Trump, anunciou seu desejo de anexar o território aos Estados Unidos e transformá-lo no mais novo estado norte-americano, o que o governo dinamarquês obviamente achou uma proposta tresloucada.


A coisa poderia até encerrar por aí, no campo de uma ideia alegadamente absurda, se não fosse o fato de que por debaixo da grossa (camada quilométrica em alguns pontos) calota de gelo que cobre a ilha haver, segundo se estima, infindáveis reservas de recursos minerais, tais como petróleo, gás natural, zinco, urânio, minério de ferro, entre outros.


Além disso, a sua posição no mapa geopolítico configura um verdadeiro trunfo dentro das movimentações promovidas pelos principais atores globais da atualidade – EUA, China e Rússia – que há muito tempo vagam pelo Oceano Ártico delimitando pretensos limites na busca de riquezas e de controle de acesso a outros pontos do planeta.


É claro que a Dinamarca não está gostando nadinha dessa conversa toda. Suas portas para qualquer tipo de negociação da soberania da Groenlândia estão trancafiadas, mas em contrapartida, como Estado-membro da União Europeia, ela se vê acorrentada quando o assunto é exploração de minérios na sua possessão, seja pela malfadada burocracia do bloco europeu, seja por apego ao ativismo ecologicamente sustentável.


Mas... o que os groenlandeses pensam da hipótese de trocarem de mandatários? Segundo uma sondagem realizada pelo Instituto Verian no início deste ano, encomendada por jornais locais, 85% da população da ilha é contra a anexação do território pelos EUA, ao mesmo tempo em que acreditam no que declarou o primeiro-ministro Múte Egede, de que “a Groenlândia pertence aos groenlandeses”.


Isto quer dizer que boa parte dos habitantes também anseiam por romper de vez os laços com a Dinamarca, o que seria o grand finale de uma série de atos que vêm sinalizando este progressivo distanciamento (em 1979 a colônia conquistou sua autonomia e em 1985 foi o primeiro território a deixar a União Europeia, sendo autogovernada desde 2009), mas este desejo esbarra na incapacidade factual de a Groenlândia se manter sozinha andando com os próprios pés (a título de curiosidade, se fosse um país independente, sua densidade demográfica seria de míseros 0,026 habitantes por quilômetro quadrado – a menor densidade do mundo).


Pois bem, é nesse momento proveitoso desta lacuna de vontade emancipatória que Trump vem insistindo na oferta de anexação, prometendo substancial aporte financeiro para o desenvolvimento da “Terra Verde”, respeito à cultura local e facilidades para os nativos para acesso irrestrito a benesses dentro do território americano, como tratamento médico, educação de qualidade e vagas de emprego para profissionais qualificados.


Descendo mais uma camada nas intenções do presidente americano e expandindo a visão periférica na cartografia local, a Groenlândia também de forma estratégica seria o ponto que falta para os EUA para formar uma virtual buffer zone ao redor de si, termo que pode ser traduzido por “zona de amortecimento”, o que garantiria um escudo de proteção aos americanos ante o expansionismo Russo/Chinês.


Enquanto isso acontece no Ártico Norte, temos que no lado Sul os EUA já negociam com o México e trabalham para se consolidarem na América Central, e paralelamente, também no Norte, tenta se alinhar entre tapas e beijos com o bom e velho conhecido vizinho Canadá.  


Aeronave de Donald Trump chega em Nuuk, capital da Groenlândia
Aeronave de Donald Trump chega em Nuuk, capital da Groenlândia

Ainda é muito prematuro cravar se uma remota, mas não impossível, incorporação da Groenlândia traria benefícios reais aos seus moradores locais e qual status restaria quanto ao equilíbrio de forças no que tange à União Europeia, que perderia um território geograficamente importante em todos os sentidos. Será que ela aceitaria calada essa derrota política?


Também não se sabe como China e a Rússia poderiam reagir a uma presença americana tão pertinho do visado Polo Norte, já que naquela imensidão escura e fria se promovem estudos e até mesmo projetos de exploração mineral, sem contar o fato de existir na Groenlândia, desde 1951, uma base aérea dos EUA no extremo noroeste da ilha e que foi crucial durante a Guerra Fria, e este aparato militar poderia crescer bastante com o passar do tempo.


Mesmo que o jogo WAR não seja mais tão popular como outrora, a luta por essa joia da coroa dinamarquesa (por enquanto?) apenas mudou de tabuleiro, e o final dessa peleja é completamente imprevisível.


REDE VOX NEWS

Fonte: Texto criado por Geisel Ramos

Publicado por: Geisel Ramos


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