Há algo acontecendo na África do Sul (e precisamos falar sobre isso)
- Geisel Ramos
- 23 de mai.
- 4 min de leitura
Atualizado: 25 de mai.
No último dia 21 de maio, o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, estava no Salão Oval na Casa Branca, num encontro com o presidente americano Donald Trump.

Em dado momento da reunião, Trump pediu para que apagassem as luzes e então foi projetado um vídeo que mostrava protestos no país do mandatário visitante, manifestações conduzidas pelo político de oposição sul-africano Julius Malema clamando pela expropriação de terras.
Ramaphosa assistiu a tudo em silêncio, inclusive a uma outra filmagem, esta mais conhecida, pois circulou amplamente nas redes sociais nas semanas anteriores. Era uma sequência de cruzes brancas à beira de uma estrada colocadas para representar – segundo uma legenda no vídeo – o número de fazendeiros brancos assassinados na África do Sul.
Mas não acabou aí. O convidado ainda teve que ver diversos recortes de jornais cujas manchetes falavam sobre crimes contra brancos, ao que Trump repetia, a cada recorte exibido, a palavra “morte”.
O constrangimento no ar era palpável, e Ramaphosa diplomaticamente negou saber dos fatos, sustentando que deveriam ser melhor apurados, afirmou não conhecer a localidade das filmagens e argumentou que seu país enfrenta altos índices de violência, ao que Trump sugeriu haver, com base nas reportagens que havia em mãos, um “genocídio branco”.
Presentes também estavam Elon Musk (sim, ele é sul-africano de nascimento) e outros membros da delegação de Ramaphosa, incluindo alguns jogadores de golfe, como Retief Goosen, que jogou mais lenha na fogueira ao afirmar para Trump que fazendeiros amigos de seu pai foram mortos.

Uma semana antes do que a imprensa aberta chamou de “arapuca armada por Trump para Ramaphosa”, um grupo de quase 50 sul-africanos brancos chegara aos Estados Unidos, os primeiros aplicantes de um programa de refugiados voltado para os “africâners” (brancos nativos da África do Sul e descendentes dos colonos europeus, também chamados de “boer”), que afirmavam ser vítimas de discriminação racial por parte do governo, o que incluía, entre outras medidas, a expropriação de terras sem direito a indenização.
Teoria da conspiração ou fatos engolidos por uma espiral de silêncio? Populismo atrelado ao governo Trump 2.0 ou medida realmente humanitária? Por óbvio reflexo da visão bipolar que se abate sobre os órgãos de mídia e os corredores do poder há muito tempo, a resposta a estas perguntas não será uníssona.
Aqui no Brasil o assunto ainda é muito pouco explorado, mesmo porque as redações nacionais estão ocupadas com outras questões geopolíticas consideradas mais alarmante. Mas num olhar mais apurado em algumas fontes internacionais nas quais nossos canais de notícias bebem, certos nós desta intrincada tapeçaria saltam aos olhos.
Ramaphosa assegura que se houvesse um “genocídio branco” em seu país o seu governo não teria membros brancos, como o são diversos ministros de estado, além do que as décadas de Apartheid (política segregacionista promovida pela minoria branca da África do Sul de 1948 até 1994) causaram um desarranjo social tão profundo que até hoje a desigualdade economico-social entre negros e brancos é gritante, estando os primeiros em situação menos favorecida, na medida em que são mais pobres e mais suscetíveis à criminalidade que assola o país do que os “afrikaners”. Estatisticamente, ele tem razão.
Mas há um detalhe na fala de Ramaphosa que merece atenção: segundo o ministro (branco) da Agricultura, John Henry Steenhuisen, que estava na comitiva de Ramaphosa nos EUA, a coalizão que hoje governa a África do Sul foi montada após a eleição do ano passado exatamente para não permitir que Julius Malema, já mencionado aqui, tivesse acesso ao poder.
E por que o nome de Malema surge tanto nesta história toda? Ele é o criador e atual líder do partido Economic Freedom Fighters (EFF), de extrema-esquerda, que tem como plataforma a expropriação de terras sem indenização, nacionalização dos recursos minerais e bancos do país e outras bandeiras de cunho marxista.
Malema já foi condenado por discurso de ódio em 2011, e ganhou visibilidade internacional no ano passado, por meio de um vídeo que circula no YouTube, no qual ele entoa uma canção num estádio repleto de dezenas de milhares de apoiadores de seu partido e cujo refrão traz a frase “kill the boer, the farmer” (“mate o boer, o fazendeiro”). Mais do que isso: Malema cantou fazendo o gesto de arma com a mão e a onomatopeia de disparos de bala, sendo acompanhado por todos os presentes, conforme vemos no vídeo a seguir.
Parte dos críticos da medida de asilo promovida por Trump argumenta que desde o seu primeiro mandato ele vinha criando factoides acerca de matança de fazendeiros brancos na África do Sul, com o objetivo de dividir um país já marcado por um passado com profundas feridas ainda não totalmente saradas, além do que a Lei de Expropriação aprovada pelo Parlamento no início deste ano, ao contrário que sustenta Trump, é passível de revisão judicial e busca o equilíbrio de uma dívida histórica para com os negros.
Ocorre que não é de hoje, todavia, que evidências de que acontece, na mais leve das hipóteses, uma perseguição aos “boers” pululam nos meios de comunicação, alçando ao nível de denúncias mais sofisticadas e inclusive culminando no lançamento, em 2018, de um documentário sobre o assunto: “Farmlands”, produzido por Lauren Southern (link abaixo), que aborda a situação dos fazendeiros sul-africanos ante episódios recorrentes de violência logo após o fim do Apartheid.
Há quem afirme que o caminho que a África do Sul está trilhando se assemelha pelo qual passou o Zimbabwe no início deste século, quando o então presidente Robert Mugabe confiscou as terras dos agricultores brancos e as entregou a membros do seu partido. Tendo realizado sua visão de justiça social, Mugabe viu a produção agrícola do país se esfacelar, pois os novos proprietários das terras não possuíam a expertise necessária para seu cultivo, e isso jogou o Zimbabwe, antes exportador de alimentos, a uma condição de indigência tal que a inflação resultante foi uma das maiores já registradas na história.
Como se vê, há muito o que se explorar sobre esta espinhosa questão política que não teve início no Salão Oval da Casa Branca, mas que possui raízes mais encravadas num enredo de sofrimento para todos os sul-africanos ao longo dos anos.
REDE VOX NEWS
Fonte: Texto criado por Geisel Ramos
Publicado por: Geisel Ramos
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